quarta-feira, 20 de abril de 2011

AMOR E REVOLUÇÃO

Era para ser um artigo de 25/30 linhas para a coluna Opinião do jornal Sudoeste do Estado, mas o assunto foi se avolumando que acabou virando esse artigo gentilmente publicado pelo amigo Maércio em seu blog

Assisti aos primeiros capítulos de Amor e Revolução, a nova novela do SBT. Gostei e continuo assistindo sempre que possível, por ser um tema que, por mais do que discutido, insiste em se manter na clandestinidade por interesses diversos. Mas, é bom frisar, estamos falando de novela, ou seja, de uma ficção com fundo verdadeiro: uma revolução anticomunista ou o golpe militar capitalista, tanto faz, que mudou os rumos do Brasil.
Para alguns, uma péssima novela do ponto de vista artístico ou cênico, mas importante por discutir a repressão política praticada nos anos de chumbo da ditadura, como bem observou o jornalista, escritor e professor de comunicação Eugênio Bucci em artigo para o caderno ‘Aliás’ do Estadão, publicado domingo passado.
Porém, é preciso lembrar que se trata de uma novela do SBT, bem ao estilo mexicano, colombiano ou venezuelano que caracteriza sua dramaturgia. Puro trash cênico, incomparável ao padrão de qualidade Globo que se vê nas tramas recém-iniciadas Cordel Encantado e Morde & Assopra, com argumentos sem pé nem cabeça que, tratados com esmero, ganham credibilidade e, o mais importante, audiência qualificada.
Mas, voltando a Amor e Revolução, o professor Eugênio Bucci define as longas sequências de tortura como cenas de sensacionalismo melodramático de mau gosto, um realismo impostado, que lembra a encenação de crimes de sangue em teatro de circo mambembe, daqueles que às vezes costumávamos ver em circos ou em filmes nacionais da época em que se passa a trama, imitando faroestes italianos, que tanto nos divertia.
Algumas cenas é verdade, são sim zambembes e lembram o filme Bye Bye Brazil, de 1979, dirigido por Cacá Diegues e estrelado por José Wilker, Bety Faria, Fábio Junior, Zaira Zambeli, Jofre Soares, entre outros, que conta a história de cinco artistas mambembes que cruzam o Brasil com a Caravana Rolidei, fazendo espetáculos para o setor mais humilde da população, que não tinha acesso à televisão e muito menos ao cinema. Mistura ficção com a realidade de um povo sofrido que vive às margens da Rodovia Transamazônica, fruto do tal milagre econômico que se sucedeu ao golpe e provocou uma ocupação da floresta de forma totalmente contrária à idealizada.
Puro trash do ponto de vista cênico, porém, ganhador de importantes prêmios e que para muitos é considerado uma das melhores produções cinematográficas brasileira... Mas, voltemos à novela Amor e Revolução e às observações de Bucci. “É como se ela tivesse vindo para ridicularizar os jovens que, em armas, resistiram ao golpe militar de 1964. Em matéria de melodrama, os guerrilheiros mereciam coisa melhor. A novela acaba com eles. Faz com que recitem falas que soariam primárias até mesmo na boca de ativistas imberbes de centro acadêmico de ensino médio”.
Um pouco de exagero do respeitado professor da Eca-Usp, apesar de em algumas falas o diálogo mais parecer um discurso. Talvez seja de propósito, para combinar com o clima da época. Mas é preciso lembrar que apesar de a maior parte do elenco ser iniciante, a representação que realmente começou capenga está ganhando corpo, fôlego e interpretação convincente. A trilha sonora é excelente e o diretor Tiago Santiago deve abordar assuntos paralelos, além do teatro de vanguarda, as cenas de tortura e os embates políticos em cartaz no momento.
Com certeza vai abordar o surgimento dos movimentos Jovem Guarda e Tropicália, em contraponto ou complemento à música engajada dos festivais da Record. Ou a paixão provocada pelo refinado futebol praticado pelo Santos de Pelé e Cia, pela Academia do Palmeiras, pelo Cruzeiro de Tostão e Dirceu Lopes ou pelo Botafogo de Garrincha. Futebol de primeira que rendeu ao Brasil a conquista do tricampeonato no México, tão bem explorada pelos militares.
A perseguição que se seguiu ao golpe fez muita gente – políticos, artistas, professores – se refugiarem no Exterior também deve ser abordada. Ou ainda o ressurgimento do movimento sindical liderado por Lula, as passeatas da luta por melhores salários e contra a carestia, a abertura política, a anistia a civis e militares e a reconquista da democracia, pondo fim a uma época triste, ao mesmo tempo rica em acontecimentos, que as novas gerações desconhecem.
Historiadores que estão participando desse debate desencadeado por Amor e Revolução contestam o fato de na trama as torturas estarem aparecendo já em 1964, quando começaram em 1968, ano em que foram baixados os atos institucionais que cercearam muitos direitos dos cidadãos.
Quem afirma isso é a professora de história Derlei Catarina de Luca, na reportagem ‘Ditadura Televisada’, publicada no caderno Show do jornal Agora São Paulo de terça-feira. Na mesma matéria o também professor de história Carlos Fico, da UFRJ, lembra que na época já existia uma guerrilha em 1964.
O autor Tiago Santiago afirma que está tentando ser fiel à história e que em suas deparou com um movimento revolucionário iniciado em 1962, que planejava montar uma guerrilha socialista no Brasil. Os militares, com certeza, sabia disso. Agora também estamos sabendo.
Não podemos nos esquecer, volto a repetir, que Amor e Revolução é uma novela, não um documentário. Tanto que o mocinho da trama é um militar, que, por se apaixonar pela mocinha, tem tudo para virar guerrilheiro e combater a própria família. E, como já foi dito, uma novela produzido ao estilo SBT, que pode ser de gosto duvidoso para muitos, mas que cai nas graças do povão...
Talvez seja por isso que a Associação Beneficente dos Militares Inativos e Graduados da Aeronáutica queira tirar a novela de Tiago Santiago do ar, porque, se fosse só intelectual que estivesse assistindo, o impacto de Amor e Revolução seria mínimo. Afinal, eles conhecem a história de cor e salteado. Muitos, aliás, a vivenciaram.

Tadeu de Oliveira, analista político e econômico e, ao que parece, também crítico de novela

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